quarta-feira, 18 de maio de 2016

Sobre a loucura - Pelo Dia da Luta Antimanicomial (18/05)

Pelo Dia da Luta Antimanicomial - 18 de maio.

A loucura é o último recurso para lidar com o sofrimento psíquico.
Alguns têm mais recursos, outros menos. Mas ninguém está livre de sofrer.
Portanto, ninguém está livre de enlouquecer...

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Trecho do filme "Bicho de sete cabeças" (2001)
Direção: Laís Bodanzky
Roteiro: Luiz Bolognesi
Baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, "Canto dos Malditos".




"É preciso fingir, quem é que não finge nesse mundo? Quem? É preciso dizer que está bem disposto. É preciso dizer que não está com fome. É preciso dizer que não está com dor de dente. É preciso dizer que não está com medo. Se não, não dá. Não dá. O médico jamais me disse que a fome e a pobreza podem levar ao distúrbio mental. Mas quem não come fica nervoso, quem não come e vê seus parentes sem comer pode chegar à loucura. O desgosto pode levar à loucura. Uma morte na família, o abandono do grande amor. A gente até precisa fingir que é louco sendo louco. Fingir que é poeta sendo poeta...."

O Buraco do Espelho
[Arnaldo Antunes]

O buraco do espelho está fechado
Agora eu tenho que ficar aqui
Com um olho aberto, outro acordado
No lado de lá onde eu caí
Pro lado de cá não tem acesso
Mesmo que me chamem pelo nome
Mesmo que admitam meu regresso
Toda vez que eu vou a porta some

A janela some na parede
A palavra de água se dissolve
Na palavra sede, a boca cede
Antes de falar, e não se ouve

Já tentei dormir a noite inteira
Quatro, cinco, seis da madrugada
Vou ficar ali nessa cadeira
Uma orelha alerta, outra ligada

O buraco do espelho está fechado
Agora eu tenho que ficar agora
Fui pelo abandono abandonado
Aqui dentro do lado de fora

terça-feira, 12 de abril de 2016

"O desentendimento" - "Democracia ou consenso" (no Brasil)

Um pouco de Jacques Rancière, em sua obra "O desentendimento", para o momento no Brasil:

Democracia ou consenso


"A esse estado idílico do político dá-se geralmente o nome de democracia consensual. Tentaremos mostrar aqui que esse conceito é, com todo o rigor, a conjunção de termos contraditórios. Proporemos portanto, para reflterir sobre esse objeto mais singular do que parece, o nome de pós-democracia. A justificativa desse nome passa somente pela explicitação de alguns paradoxos inerentes ao discurso atualmente dominante sobre democracia.

De um lado, ouvimos por toda parte proclamar o triunfo da democracia, correlativo do desabamento dos chamados sistemas totalitários. Esse triunfo seria duplo. Seria, primeiro, uma vitória da democracia, entendida como regime político, sistema das instituições que materializam a soberania popular, sobre seu adversário, a prova de que esse regime é ao mesmo tempo o mais justo e o mais eficaz. A falência dos chamados Estados totalitários é de fato uma falência em relação ao que era sua legitimação última: o argumento de eficiência, a capacidade do sistema para fornecer as condições materiais de uma comunidade nova. Resulta daí uma legitimação reforçada do chamado regime democrático: a ideia de que ele garante num mesmo movimento as formas políticas da justiça e as formas econômicas de produção da riqueza, de composição dos juros e de otimização dos ganhos para todos. Mas é, também, ao que parece, uma vitória da democracia, como prática do político a seus próprios olhos. A sombra de uma dúvida persistente da democracia sobre si mesma sempre pairou sobre a história do movimento democrático ocidental. Esta se resumiu na oposição marxista da democracia formal e da democracia real, oposição meta-política muitas vezes interiorizada na própria condução do litígio político. A democracia nunca deixou de estar sob suspeita até aos olhos dos próprios democratas. Aqueles que lutavam com mais vigor pelos direitos democráticos eram muitas vezes os primeiros a suspeitar que esses direitos eram apenas muito formais, não eram mais que a sombra da verdadeira democracia. Ora, a falência do sistema totalitário parece levantar finalmente a hipoteca de uma democracia "real" que alimentava a suspeita sobre a democracia. Parece, portanto, possível valorizar sem reservas as formas da democracia, entendidas como os dispositivos institucionais da soberania do povo, identificar simplesmente democracia e Estado de direito, Estado de direito e liberalismo e reconhecer na democracia a figura ideal de uma realização da physis do homem que empreende e deseja enquanto nomos comunitário. 
Esse sucesso da democracia se atribui com frequência à retirada de uma segunda hipoteca, aquela colocada pela ideia de povo. A democracia hoje renunciaria a colocar-se como o poder do povo. Ela abandonaria a dupla figura do povo que pesou sobre a política na era das revoluções modernas: a identificação rousseauniana do povo ao sujeito da soberania, e a identificação marxista - e mais amplamente socialista - ao trabalhador como figura social empírica e ao proletário ou produtor como figura de uma superação da política em sua verdade. Diz-se que esse povo superdeterminado obstava o verdadeiro contrato político, aquele pelo qual os indivíduos e os grupos concordam acerca das formas jurídico-políticas capazes de garantir a coexistência de todos e a participação ótima de cada um nos bens da coletividade.
Tal é, grosso modo, o esquema de legitimação da democracia que funciona como balanço da catástrofe totalitária. Ora, esse esquema esbarra num paradoxo. Normalmente, a ruína dos "mitos" do povo e da democracia "real" deveria levar à reabilitação da democracia "formal", ao reforço da adesão aos dispositivos institucionais da soberania do povo e principalmente às formas do controle parlamentar.  Ora, não é de modo nenhum o que acontece. No sistema político francês, por exemplo, observa-se uma degradação contínua da representação parlamentar, a extensão dos poderes políticos de instâncias não-responsáveis (peritos, juízes, comissões), o crescimento do campo reservado ao presidente e de uma concepção carismática da figura presidencial. O paradoxo é o seguinte: na época em que as instituições da representação parlamentar eram contestadas, em que prevalecia a ideia de que elas eram "apenas formas", eram no entanto objeto de uma vigilância militante em superior. E vimos gerações de militantes socialistas e comunistas lutarem ferozmente por uma Constituição, direitos, instituições e funcionamentos institucionais dos quais diziam, por outro lado, que exprimiam o poder da burguesia e do capital. Hoje, a situação se acha invertida e a vitória da chamada democracia formal vem acompanhada por uma sensível perda de afeição por suas formas. Segundo ele, a sabedoria democrática não seria tanto a atenção escrupulosa a instituições que garantem o poder do povo por meio de instituições representativas, mas a adequação das formas de exercício político ao modo de ser de uma sociedade, às forças que a movem, às necessidades, interesses e desejos entrecruzados que a tecem. Seria a adequação aos cálculos de otimização que se operam e se entrecruzam no corpo social, aos processos de individualização e a solidariedades que eles mesmos impõem.
(...) O sucesso da democracia consistiria então que ela ache, nas nossas sociedades, uma coincidência entre sua forma política e seu ser sensível."

[Rancière, Jacques. (1995/1996) O desentendimento - política e filosofia. Tradução de Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34. pgs. 99-101.]

quarta-feira, 17 de junho de 2015

A política no Brasil está ao contrário e ninguém reparou

A política no Brasil está de pernas pro ar.

Vejam bem:

O PT, até ontem "partido do povo", está envolvido até as tampas com tudo de ruim da política que tanto criticou antes de chegar ao poder. Avançou um tanto no âmbito social, mas se atolou na lama até o nariz pra conseguir isso... Anda falando uma coisa e fazendo outra e bastante confortável governando exatamente como o PSDB faria.

O PSDB, partido da "high society" e desde sempre envolvido até as tampas com tudo que há de ruim na política - mas muito bem acobertado pela mídia e pelo judiciário - critica o PT pelas mesmas atitudes que sempre teve, querendo ser o "partido do povo" e "defender" o Brasil do PT. Anda num momento bem esquizofrênico naquilo que defende...

O PMDB, que sempre atuou à la "mineirinho", governando quieto ao apoiar qualquer um que estivesse no poder, resolveu mostrar a cara e as garras (conservadoríssimas, diga-se de passagem), agora até candidato à presidência terá!

Os demais partidos, da turma "pequenos partidos, grandes negócios", estão feito baratas tontas negociando tudo que podem para manter o pouco poder que tem e garantir a permanência na "Casa da Mãe Joana". Opa, "Casa do Povo".

E por fim, "O Louco" da Casa, aquele que sempre foi desacreditado e ridicularizado, o PSOL, surge como o único partido que mantém alguma coesão, coerência, dignidade e fidelidade ao que a população realmente precisa.

Se estava ruim, a última eleição conseguiu deixar pior.

Vamos esperar os próximos capítulos...

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E agora compartilho um comentário de Bob Fernandes, no Jornal da Gazeta, sobre esse assunto:



Por Bob Fernandes
Publicado em 10 de jun de 2015

"Na Bahia o PT faz Congresso Nacional no 10º aniversário do chamado "mensalão", escândalo que levou vários dos seus à cadeia.

O PSDB renovará a Executiva. Aos 17 anos do chamado "mensalão tucano", que dorme numa gaveta em Minas. Sem ser julgado, assim como demais escândalos.

PT e PSDB somam 20 anos no poder central. Ambos têm avanços para mostrar. E ambos, em maior ou menor grau, devem refletir sobre graves erros que cometeram.

O PT, que tem a presidência, para manter-se no Poder valeu-se de usos e costumes que criticava antes de chegar ao Poder. Mas não apenas.

Ao errar e não fazer autocrítica profunda e pública, o PT permitiu que algumas das piores porções da sociedade se apoderassem da hegemonia na narrativa e nas ações políticas.

E tem erro que é obra conjunta: ambos partidos se envolveram num longo processo de desqualificação mútua e sem limites.

Processo binário que arrastou o país a um pós-debate paralisante e medíocre, onde predomina o que há de pior.

Não por acaso a truculência ignara em relação à Política, a usos e costumes, aos cães beagle, aos haitianos... a quase tudo.

O avanço do fundamentalismo e peemedebização é obra ampla e conjunta.

Eduardo Cunha e Renan Calheiros comandam o Congresso ao mesmo tempo em que são investigados. Isso diante do silencio cúmplice e revelador das ruas, panelas e mídias tantas.

O governo faz o contrário do que pregou na campanha enquanto a oposição vota contra o que pregava... É tempo de cínicos e oportunistas em amplos setores.

Tempo dos que corrompem e se fazem de vítima ou denunciam a corrupção alheia... Sempre é Tempo dos que pregam capitalismo pendurados no Estado.

É tempo de farsas e oportunismo. Por isso, tantos que há poucos anos ou décadas posavam na esquerda hoje se servem e se empanturram nos extremos da direita.

Por isso, vários que serviram a direita mais extrema hoje faturam pela esquerda."

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Se Jesus voltasse...

A poucos dias atrás, li um texto na página "Quebrando o Tabu", no Facebook [1], sobre a experiência de vida de uma pessoa com relação à religiosidade.

Ao final do texto, essa pessoa falou que a mensagem de Jesus tinha sido *AMEM*.

Não *AMÉM*.

*AMEM*, mesmo - imperativo do verbo *AMAR*.

Sacada extraordinária.

Resumiu o que venho pensando sobre o exercício da religiosidade nos últimos tempos.

Considerando que Jesus tenha existido, ao menos como figura histórica, sua mensagem foi exatamente essa: AMEM.

Apenas uma especificação: "Amem uns aos outros, como eu vos amei."

Mas de alguma forma, no meio do caminho, a mensagem que significava:

-
Respeito e solidariedade ao próximo,

Compaixão para com os que sofrem e passam por necessidades,

Tolerância com o diferente,

Não julgamento do outro,

Perdão,

Rechaço da desigualdade e da ostentação,
-

Tudo isso virou:

-
Intolerância,

Preconceito,

Amor apenas próprio e aos semelhantes,

Julgamento e condenação do que é diferente,

Imposição da crença aos outros,

Ou seja, ame apenas aqueles que pensam como você, vivem como você, se vestem como você, e acreditam no que você acredita.
-

Muitos parecem ter esquecido que Jesus defendia todos os relegados e maltratados pela sociedade, e amava e aceitava todos *sem distinção*...

Na verdade, se Jesus voltasse, ficaria de cabelo em pé ao saber quem e o que se fala em nome dele hoje em dia.

Se um dia considerou voltar, a essa altura, já deve ter desistido.

Levaria mais uns 2 mil anos pra explicar pra essa gente toda o quanto eles entenderam errado a mensagem!

Isso se conseguisse escapar de ser linchado, acusado de comunista ou "bolivarianista", como se costuma dizer hoje em dia...


[1] https://www.facebook.com/quebrandootabu/posts/901625409893847